Reportagem
de Fernando Richard e José Nicolau
Dia
30 de março, 20h30m. O General Carlos Luís
Guedes, comandante da IV Infantaria Divisionária,
sediada em Belo Horizonte, reúne todo os seus
comandados e comunica que se rebelara contra o Presidente
João Goulart. Reúne-se, depois, com o
General João de Faria e o Coronel Emílio
Montenegro Filho, da FAB, além do General José
Lopes Bragança, no comando da ID-4. Traçam
um esquema.
Dia 31 de março. 3h30m. A reunião continua.
O General Bragança é incumbido de fazer
a convocação dos civis para a revolução.
O Governador Magalhães Pinto, no Palácio
da Liberdade, declara que apóia e comanda o movimento.
4 horas. Tem início a mobilização
dos civis.
7h30m. O Comandante da Base Aérea de Belo Horizonte,
Coronel Afrânio da Silva Aguiar, é chamado
ao Palácio da Liberdade pelo Governador Magalhães
Pinto. O Chefe do Executivo mineiro expõe ao
oficial os seus planos. Fala a respeito dos motivos
que o levaram a tomar a decisão. Após
conferência de uma hora, a portas fechada, o Coronel
Afrânio dirige-se para a Base Aérea: tinha
dado total apoio ao Governador.
8h30m. O General Bragança vai ao comando da ID-4
e comunica ao General Guedes o andamento da mobilização
de civis. No Palácio da Liberdade, o Governador
Magalhães Pinto toma tôdas as providências
com o Coronel José Geraldo de Oliveira, comandante
da Polícia Militar, para que fôssem guarnecidos
os pontos estratégicos do Estado. Tropas da PM
se deslocam para as fronteiras.
9h30m. O General Olímpio Mourão Filho,
comandante da Quarta Região Militar, sediada
em Juiz de Fora, telefona ao General Guedes. Conversam
reservadamente. Nessa hora, o movimento revolucionário
já é do conhecimento do povo. Uma violenta
proclamação do General Guedes é
lida em tôdas as rádios da capital mineira
e de algumas cidades do Interior. Acusa Jango.
10 horas. O General Guedes comunica-se com o Governador
Adhemar de Barros pelo telefone. É a primeira
vez, desde a deflagração do movimento,
que o General conversa com o Governador paulista. No
QG da ID-4, estão sendo montadas as instalações
telefônicas que iriam ligar, diretamente, o Palácio
da Liberdade, o comando do 12.º Regimento de Infantaria,
a Polícia Militar, o Destacamento da Base Aérea,
o CPOR e outras unidades militares.
13 horas. No Palácio da Liberdade, o movimento
é intenso. O Governador, até o momento,
não havia aparecido de público. Chegam
o Senador Milton Campos, o ex-Chanceler Afonso Arinos,
assessôres do govêrno e o secretário
da Fazenda, Deputado José Maria Alkmim. Trazem
a notícia de que o Marechal Odilio Dennys se
encontrava em Juiz de Fora articulando o movimento com
o General Olímpio Mourão Filho. No Departamento
de Instrução da Polícia Militar,
mais de 500 jovens já se haviam alistado no chamado
Exército Civil.
13h30m. O Coronel Emílio Montenegro Filho, da
FAB, é mandado a Barbacena, de avião,
para entrar em contato com o brigadeiro-comandante da
Escola Preparatória de Cadetes do Ar. Em sua
companhia, segue o Jornalista Aloísio Cunha,
que leva a gravação da proclamação
do General Guedes.
14 horas. Os dois enviados chegam a Barbacena. Conversam
com o comandante da escola. Um filho do Deputado José
Bonifácio prende o juiz de direito de Barbacena.
Em Belo Horizonte, o movimento de automóveis
aumenta nos postos de gasolina. O combustível
fôra requisitado pelo govêrno.
14h30m. Chega a Belo Horizonte o Deputado José
Bonifácio, primeiro secretário da Câmara
de Deputados. Anuncia a disposição do
Congresso de instalar-se na Capital mineira. E diz que
todos os deputados por Minas Gerais já haviam
sido chamados.
15 horas. Na Assembléia Legislativa, o deputado
comunista Gomes Pimenta pede uma comissão para
entender-se com as autoridades a fim de ser pôsto
em liberdade o Deputado Sinval Bambirra, prêso
na madrugada. A comissão foi formada, mas Bambirra
não foi sôlto.
16 horas. Aproximam-se de Juiz de Fora as tropas do
11.º Regimento de Infantaria, de São João
del Rey, que começara a deslocar-se para aquela
cidade aos primeiros minutos da madrugada. O General
Guedes retorna ao QG da ID-4 após conferenciar,
mais uma vez, com o Governador Magalhães Pinto.
Outra reunião contou com a presença dos
dois chefes mineiros da revolução e do
Coronel José Geraldo de Oliveira, secretários
de Estado Oswaldo Pierucetti (Interior), Roberto Resende
(Agricultura) e José Maria Alkmim (Fazenda) e
o Srs. Milton Campos e Afonso Arinos.
17 horas. A Polícia Militar começa a ocupar
a capital mineira. A Companhia Telefônica, o DCT,
emprêsas de comunicações e redações
de jornais e rádios foram tomadas pela PM.
19 horas. Aumenta o número de adesões
de civis ao movimento revolucionário. As inscrições
são feitas no Grupo Escolar Pandiá Calógeras.
Todos usam no braço direito uma braçadeira
verde-amarela com um triângulo no centro. É
o símbolo mineiro do levante revolucionário.
19h30m. O General Guedes solicita a cooperação
de companhias construtoras para que enviem carrêtas
pesadas: transporte de material até Juiz de Fora.
Quinze carrêtas são colocadas à
disposição do comandante da ID-4.
20 horas. O Governador Magalhães Pinto fêz
seu pronunciamento à Nação. Estava
formada a Cadeia da Liberdade, que levou a todo o Brasil
a palavra do líder mineiro. Governadores de outros
Estados, como São Paulo, Paraná, Santa
Catarina, Espírito Santo, Guanabara, Goiás,
Mato Grosso e Bahia, apenas esperavam a palavra do governador
de Minas, para dar início ao movimento nas áreas
de sua responsabilidade.
20 h 30 m. Chega ao comando da ID-4, o Coronel Paulo
Hildebrando de Campos Góes, comandante do 4.º
Regimento de Obuses, sediado em Pouso Alegre. Procedia
do Rio de Janeiro. Após rápido contato
com o General Guedes, põe-se à disposição
do comandante da ID-4.
21 horas. Engenheiros se apresentam ao comando da ID-4
para as emergências que surgirem com o decorrer
da crise militar. São especialistas em restauração
de pontes e construções. Médicos
dão conhecimento ao comando revolucionário
de vários postos em Belo Horizonte.
22 horas. Com exclusividade, a reportagem de “O
Cruzeiro”
consegue entrar na Base Aérea de Belo Horizonte
e fotografa os praças e oficiais revoltosos.
O comandante da guarnição só havia
dado conhecimento da revolução aos oficiais.
Mais tarde falaria ao resto do contingente. Indagado
a qual comando estava subordinado, disse o Coronel Afrânio
Aguiar que “seu
único comandante era o Governador Magalhães
Pinto”.
Os oficiais mantinham-se calmos e aguardavam o desenrolar
dos acontecimentos.
22 h 30 m. Pelo telefone, o General Guedes é
informado de que o Presidente João Goulart deseja
um entendimento com o Governador Magalhães Pinto
e os chefes militares de Minas Gerais. Afirma-se que
o Sr. João Goulart chegou a propor uma mediação
“para
resolver o impasse surgido entre a administração
federal e o govêrno mineiro”.
O General Guedes se recusa a manter conversação
com o Chefe da Nação. Idêntica é
a atitude do Governador Magalhães Pinto.
23 horas. Todo o dispositivo revolucionário se
encontra em ação. O secretário
da Agricultura de Minas, Sr. Roberto Resende, toma as
providências necessárias a que não
houvesse falta de gêneros nos dias seguintes.
“Minas
poderá resistir cem dias”
- afirmou. Foi determinado o levantamento de todo o
estoque de carne no Estado.
24 horas. As poucas pessoas que se mantinham próximas
ao Palácio da Liberdade se mostravam apreensivas
com as notícias de que tropas do I Exército
estavam marchando contra Minas Gerais. Entretanto, neste
momento o Coronel José Guilherme anuncia que
o Governador Magalhães Pinto havia recebido um
comunicado do General Amaury Kruel, dizendo que estava
à frente do II Exército marchando contra
o Estado da Guanabara. A alegria foi geral.
Dia
1.º de abril. 1 h 15m. O Comandante da Base Aérea
de Belo Horizonte fala, pelo telefone, com o Brigadeiro
Francisco Teixeira, comandante da 3.ª Zona Aérea,
e comunica a sua condição de rebelado.
É imediatamente exonerado, juntamente com o subcomandante,
Major Nelson Santiago. Não acata a decisão.
Reúne a tropa, dá ciência de sua
condição e liberdade de ação
para os que não quiserem aderir. Tôda a
tropa se mantém com o comandante destituído.
O Coronel Afrânio Aguiar, então, toma medidas
de segurança.
8 horas. No QG da ID-4, a satisfação é
geral. O General Guedes recebe dez pilotos civis que
se colocam à disposição para qualquer
eventualidade. Várias companhias de aviação
põem suas aeronaves a serviço do Governador
Magalhães Pinto.
8 h 30 m. Pela primeira vez, desde o início do
movimento, o Governador Magalhães Pinto deixa
o Palácio da Liberdade. Visita várias
unidades rebeladas. Vai ao Centro de Recrutamento, onde
é recebido entusiàsticamente. Depois,
dirige-se ao Departamento de Instrução
da Polícia Militar e ao 12.º Regimento de
Infantaria. Por último, visita a Base Aérea
de Belo Horizonte.
12 h 30 m. Num contato com os repórteres de “O
Cruzeiro”,
o Governador Magalhães Pinto declara que “foi
diminuído o prazo que se esperava para a vitória
final”.
O prazo inicial era de dez dias.
14 horas. No Palácio da Liberdade, o Governador
Magalhães Pinto continua reunido com o seu secretariado.
O Secretário do Interior, Oswaldo Pierucetti,
articulador civil da revolução, faz vários
contatos com São Paulo, Guanabara e outros pontos
do País. As notícias continuam a chegar,
sempre animadoras. Os chefes revolucionários
aumentam a sua euforia. O prazo, de que falou o Governador
Magalhães Pinto, encurta ainda mais. Para todos,
a coisa mais certa é que as fôrças
democráticas consigam dominar o País dentro
de mais algumas horas. Os chefes militares conferenciam.
De repente, as ligações telefônicas
com Brasília são cortadas. Não
se fala mais com a Capital do País. Há
uma notícia, logo desmentida, que preocupa o
chefe do Executivo mineiro: é a de que o Palácio
Guanabara está cercado e de que havia sido cometido
um atentado contra o Governador Carlos Lacerda.
15 horas. O Governador de Minas Gerais deixa o Palácio
da Liberdade para passar em revista as tropas da Polícia
Militar que, em oito ônibus, deixam Belo Horizonte
com destino a Juiz de Fora e várias outras cidades
do interior do Estado. É aclamado pela multidão
que se reúne em frente à sede do Executivo
mineiro.
15
h 15 m. Quando regressava ao Palácio, as rádios
comunicam a adesão do I Exército. Aos
gritos de “Terminou
a revolução!”
e “Vitória!”
a multidão carrega em delírio o Governador
Magalhães Pinto. Nas ruas centrais da cidade,
a população lança papéis
picados do alto dos edifícios. É a comemoração
da vitória. Milhares de pessoas subiam a Avenida
João Pinheiro com destino ao Palácio da
Liberdade cantando “Minas
Gerais”
e o Hino Nacional. O Governador Magalhães Pinto,
entretanto, preocupava ainda com as notícias
de que havia resistência no Rio Grande do Sul,
embora estivesse certo de que a sua luta pela democracia
tinha sido coroada de êxito e, pràticamente,
chegara ao fim.
20 horas. Através de uma cadeia de rádio
e televisão, o Governador Magalhães Pinto,
no Palácio da Liberdade, faz sua primeira proclamação
como chefe da revolução de 72 horas que
abalou o Brasil.
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